quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Vamos experimentar somas diferentes?

Durante a graduação, aprendemos (e bem) a integrar funções reais e, dependendo do curso, complexas (a uma variável, ao menos). E em geral nos baseamos na integral dada pela definição de Riemann. Vamos rapidamente definir esta integral, de forma coloquial e descontraída, para mais adiante mostrar uma outra definição para esta a integral. Esta nova definição nos traz diversas facilidades (e dificuldades), mas faz parte de um estudo importantíssimo para a física e para a matemática (é a base para a teoria da probabilidade, estatística, teoria ergódica, etc).

Integral usual

O intervalo entre dois números reais e é denotado por . Se for uma função real nesse intervalo, então podemos particionar o intervalo , sendo os pontos que iniciam e finalizam cada partição os . A cada intervalo, indicamos um ponto interior (ao intervalo), denotado por . Por exemplo, no intervalo temos o número . A soma de Riemann então desta função é dada por

Gostaríamos que esse valor, , fosse a área sob a curva definida por no intervalo. O mais fabuloso dessa história toda é que a grandeza de fato converge para essa área quando as diferenças tendem a zero para uma grande gama de funções. O número de partições, naturalmente, cresce de forma exorbitante. Quando tomamos esse processo limite, transformamos a soma de Riemann na intergral de Rieman.

Teoria da Medida

Sabe aquelas pessoas que sempre que ouvem um assunto sobre o qual já leram alguma pegadinha ou detalhezinho, acabam provocando alguma discussão nesse sentido? Pois é, por meio de pessoas assim e livros afins, existe um exemplo interessante que ficou famosíssimo. Suponha que, por algum motivo, desejamos integrar a função

É possível? A pergunta mais natural, até mais que esta primeira: a resposta é intuitiva? A mim, não parece nada intuitiva. E é neste contexto [1] que surgiram métodos mais elegantes para o cálculo de integrais. A Teoria da Medida, uma extensa área autosuficiente [2] da matemática que tenta extender a noção de "área" (comprimentos, áreas, volumes, etc), entra como sendo o centro da definição mais utilizada de integração: a integral de Lebesgue-Stieltjes. Mas não se assuste: sinteticamente, apenas o nome ficou mais feio. Como agora temos mais de uma definição (ou técnicas) de integração, cria-se a chamada Teoria de Integração, o que vamos tratar aqui apenas como o estudo destas técnicas.

Mas como toda teoria charmosa, a Teoria da Integração dá nomes interessantes. Freqüentemente, encontramos as integrais de Lebesgue, desacompanhadas de Stieltjes. Isto porque a integral de Lebesgue é a extensão da integral de Riemann usando medidas muito especiais: a medida de Lebesgue [3]. Trata-se do caso mais recorrente e o que vai tomar um pouco de nossa atenção. Para as demais medidas e a maioria dos casos, usamos o nome Stieltjes ou Radon acompanhando o de Lebesgue.

Medida de Lebesgue

A medida de Lebesgue pode ser compreendida como uma função que atribui a toda região de um espaço Euclidiano um valor real positivo (ou infinito, inclusive). Este valor é o que chamamos de comprimento, área ou volume, se a região tem dimensão 1, 2 ou 3 (respectivamente). O intervalo anterior, , teria, na reta real, que medida? Essa é uma pergunta que não deve ser feita: nós é que definimos a medida. Mas pensando na medida usual, aquela em que o resultado teria que coinscidir com o resultado usado por uma régua, poderíamos definir como sendo a diferença . Então, podemos definir a função como [4]

Faz sentido perguntarmos de conjuntos em que ? Para que isto ocorra, . Estes são os conhecidos conjuntos de medida nula. Mesmo se não definirmos dessa forma óbvia, ainda assim poderíamos ter conjuntos de medida nula.

Integral de Lebesgue

Mas e quanto à integral? Lembra-se da definição da soma de Riemann dada logo acima? Então, podemos reescrevê-la usando uma medida qualquer, definindo com isto a soma de Lebesgue

A definição dos termos são os valores da função escolhidos de forma esperta (utilizamos funções simples). Ao tomarmos um processo limite parecido com aquele em que fazíamos a as partições terem comprimentos cada vez menores para a soma de Riemann, a soma de Lebesgue transforma-se na integral de Lebesgue. Obviamente, para diferentes medidas, a integral deve mudar. Mas se usarmos aquela medida mais óbvia, aquela usual que definimos logo antes nos baseando na reta real, então a integral de Lebesgue deve coincidir exatamente com a integral de Riemann. A diferença está no seguinte...

Toda função Riemann integrável é Lebesgue integrável, mas nem toda função Lebesgue integrável é Riemann integrável.

Assim, há funções que poderemos integrar utilizando a definição de Riemann e há funções que só poderíamos integrar usando a definição de Lebesgue (ou Stieltjes, Radon, etc). Portanto, se pudermos calcular a integral via Lebesgue, já será o suficiente.

A definição da integral de Lebesgue sugere uma soma, assim como a de Riemann, só que com um peso diferente: o peso é a medida do intervalo. Imagine duas funções quaisquer. Suponha que em todo o domínio estas funções sejam idênticas, a menos de um único conjunto de valores. O que deve ocorrer se esse conjunto de valores tiver medida nula?... Isso mesmo, a integral de ambas deverá ser igual [5]. Unindo estas últimas informações à citação acima, podemos sempre calcular via Lebesgue as integrais apenas tomando cuidado com os conjuntos de medida não nula. Motivo, aliás, pelo qual a integral da função é nula.

Aplicação direta.

Eu costumo me sentir muito mal quando falo, falo, falo, e não apresento nenhum exemplo. Vamos tentar integrar uma função, que não aquela que mensionei acima (nula se argumento é irracional, senão 1). Eu gostaria de integrar a função [6]



Não se assuste com o nome: é um conjunto conhecido como reais estendidos e serve para adicionarmos à brincadeira o [7]. Portanto, pode assumir qualquer valor, inclusive infinito. A primeira coisa que podemos ver é que assume valor não nulo (e, portanto, contribui para a integral) apenas no conjunto , que refere-se ao intervalo [0,0]. Como naturalmente gostaríamos de conhecer sua integral via medida de Lebesgue com medida usual, sabemos que e . Portanto, é nula a menos de um conjunto de medida nula. Com base nisso, concluímos que

Esta é a aplicação mais simples e menos viciada que pude encontrar, além de podermos explorar uma função que freqüentemente encontramos em livros. Notemos, por fim, que é identicamente nula [5].


Notas:

  1. Não tem nada a ver, historicamente, com a função maluca que nos propusemos a integrar.
  2. Palavras do professor Hernandes, trata-se de uma teoria que se baseia no estudo de funções muito específicas e necessita apenas de Teoria de Conjuntos, mas que aplica-se a inúmeras áreas (probabilidades, integração, grupos, etc). Para uma idéia da aplicabilidade desta teoria, veja os Axiomas de Kolmogorov, que geram toda a probabilidade (e, naturalmente, formam um conjunto axiomático "isomórfico" às outras maneiras de se "compreender" a teoria da probabilidade.
  3. Se alguém sugerir algum artigo bom para linkar, eu adicionarei aqui!
  4. Sim, é uma função de um conjunto.
  5. Se uma função tem integral nula a menos de um conjunto de medida nula, então chamamos esta função de identicamente nula.
  6. Não, esta não é a Delta de Dirac, e portanto a resposta não precisa necessariamente ser 1.
  7. Talvez assunto para outro post... Se esse funcionar ^^

Post Scriptum:

Gostaria de agradecer a discussões prévias com Brenno G. Barbosa, grande colega com quem me graduei mas que infelizmente mudou-se de instituto. Saudações a ele!

Este texto é uma republicação. Veja o original e os comentários do original aqui. Algumas alterações foram feitas para que o texto adeque-se melhor ao Legauss.

Atualizações:
  1. Assim como sugerido em comentários, especifiquei alguns detalhes sobre a definição da integral de Lebesgue.




7 comentários:

T disse...

Muito bom o post, li com atenção e gostei muito. Apesar de parecer um assunto meio complicado, para mim ficou claro como água cristalina. xD

Só não entendi muito bem o conceito de função simples mas depois eu corro atrás.

Parabéns pelo post!

Thiago S. Mosqueiro disse...

Talvez eu possa tentar escrever algo sobre...
Obrigado.

Anônimo disse...

Pô, Yoko! Curti, cara!
Tanto o post quanto o blog

Continua postando coisas leg... lega... QUAL O PLURAL DE LEGAUSS?

Anônimo disse...

IUHAIUHAUIH
Meu blog é tão fútil.. ;-;'

Gabriel Martins disse...

Bem legal demorei pra ler mas no final valeu a pena
Não conhecia ainda nada sobre isso =P

Anônimo disse...

Na integral de Lebesgue usa-se o produto do valor da funcao "escolhida de maneira esperta" pela medida do intervalo que contem o argumento. A delta definida no texto pode ser especificamente aquela com C=infinito. Neste caso, me parece que o autor precisa ensinar-nos, ocasionalmente, como multiplicar infinito por zero, ou especificar melhor o que e' uma "escolha esperta" de um elemento nao nulo no extremo dos reais eStendidos...

Thiago S. Mosqueiro disse...

O autor é o Thiago S. Mosqueiro, anônimo.

Se você queria maiores detalhes sobre a maneira esperta a que me refiro, leia o parênteses seguinte: existe um link lá para ajudar a entender. Ou você gostaria de uma explicação mais detalhada?

Sobre os reais estendidos, peço desculpa pelo erro de grafia. Sobre estas especificações, achei ter deixado claro com a nota de rodapé 7: "talvez seja assunto para outro post". Já que foi feito comentário, vou escrever com prazer e logo postarei sobre os reais estendidos.