domingo, 19 de julho de 2009

O bêbado e o equilibrista

O presente texto não é nenhuma crítica social nem um informe noticiário. É apenas um relato de uma situação que me aconteceu e o que se sucedeu em minha mente após o ocorrido.

Alguns dias atrás, como já é de praxe nas ruas de São Carlos, quando volto à noite para casa, um sujeito mal vestido abordou-me na rua. Ele pedia dinheiro, é claro. Com a cabeça imersa em pensamentos, segui meu rumo e já estava na iminência de dizer aquele costumeiro e irônico "hoje não". Mas o maltrapilho falou primeiro. "É pra comprá uma pinga!". Depois de uma breve risada, eu parei de caminhar. Olhei para ele e disse, rindo: "Ah! É pra comprar uma pinga?". O esfarrapado retrucou, "Não vou mentir não, sinhô, é pra comprar uma pinga mermo". E depois completou, "não é pra comprá comida não". Demorei um tempo pra me recompor do baque que as palavras tão sinceras do mendigo haviam causado em mim. Eu disse: "Bom, se é pra comprar pinga, então aqui está a sua moeda". Ele agradeceu e foi embora.

Este acontecimento tinha tudo para ser apenas mais uma estória cômica, mas isso me fez pensar durante um tempo. O mendigo agiu mal em pedir dinheiro para tomar uma pinga? Eu agi mal dando o dinheiro para ele? Penso que a resposta para as duas indagações anteriores seja "não". Explico. Primeiramente, parto do princípio de que as pessoas sabem o que é melhor pra si - sim, há excessões, e bastante delas, mas o princípio continua valendo e não é meu objetivo aqui discutir o porquê-, portanto não vejo nada de errado em alguém pedir dinheiro para tomar uma pinga, afinal, a vida do sujeito já deve estar tão cheia de problemas, tão fudida, a ponto de que o único momento de prazer que ele pode possuir é ao apreciar uma generosa dose de aguardente. Tudo bem, ele tem o direito de querer dinheiro para tomar uma pinga, e isto reponde à primeira pergunta. Mas será que não fui anti-ético ao lhe dar o dinheiro? Afinal, todos sabem que álcool em excesso causa problemas não só a quem consome como para a sociedade, em alguns casos.

Agora ficou mais difícil, eu não tenho muita certeza da resposta. Na hora, agi impulsivamente. O que vou tentar daqui para frente é justificar meu ato, apesar de ter consciência de que não era a melhor ação a se fazer numa situação dessas. O fato é que, você querendo ou não, a maioria deles usa o dinheiro da mendicância para efetivamente gastar com álcool. Sim, existem aqueles que estão passando fome de verdade, mas acredito que são a minoria. Desta forma, o rapaz foi sincero. E isso não é pouca coisa. Numa situação em que, geralmente, o mendigo finge estar com fome e as pessoas fingem estar comovidas (fingem, por que 1 minuto depois já esqueceram do pobre coitado), um pouco de sinceridade me chamou a atenção. E depois, o que o "tio do bar" tem a ver com toda essa história? Afinal, o ganha-pão dele é vender bebidas e, se tem gente que as compra honestamente, então o trabalho dele também é honesto. Numa lógica capitalista, eu não fiz nada mais do que por dinheiro em circulação, que faz bem ao comércio e à sociedade como um todo.

Mas a quem isso tudo interessa? Amanhã já vou esquecer do rosto do sujeito mal vestido. Como todos fazemos todas a vezes...

E a vida continua, não é mesmo? Com pinga ou sem pinga.





7 comentários:

Anônimo disse...

Yep.. Bom, o carinha podia ta fazendo coisa pior pra conseguir dinheiro, então pedir (e com a sinceridade que pediu) o fez merecer uns trocados...
O cara não deve ter la muitas esperanças de vida; como dito no post, tomar uma cachaça deve proporcionar a ele um raro momento de prazer.
A saúde não deve ser uma das grandes preocupações da existência dessa criatura, digamos. Ele só ta tentando encontrar um ponto de prazer no meio do inferno em que deve viver.

Rafael "rafcor" Corradi disse...

Uma coisa é certa, isso já me ocorreu também aqui em São Paulo, quando um mendigo fala isso, ele realmente vai comprar a pinga. Agora quando pedem dinheiro pra comprar comida, você não sabe o que o indivíduo fará com o dinheiro, atualmente a opção mais óbvia são as drogas.

Você fez certo ou errado, não sei e creio que essa resposta não existirá enquanto eu viver, mas digo o seguinte, você teve sua razão, mesmo com impulso, para dar o dinheiro à ele e seguiu em frente.

A única opção que vejo ao dar dinheiro para alguém na rua é, se vai ser para álcool ou drogas. Depende de você para quem você dará o trocado!

Gabriel Martins disse...

Primeiro eu gostaria de dizer...
Que post interessante, assunto bem atípico hehe

Mas então eu não acho que exista nada de errado em dar uns trocados para ninguém não importa a situação, e o que ela faz com esse dinheiro é problema (ou solução) esclusivo dela, no mínimo o seu papel é de "facilitador".

Mas eu não concordo nada com o princípio de que as pessoas saibam o que é melhor para elas.
Eu acredito que elas tenham o direito de fazer o que elas bem quiserem em suas vidas mas eu diria que ninguém realmente sabe o que é melhor pra si mesmo.
Se todos soubéssemos todos estariamos felizes da vida e acho que esse não é bem o caso. hehe
Mas bem isso já são outros quinhentos.

T disse...

Obrigado pelos comentários. Tava faltando discussões desse tipo nesse blog :b

Juliana. disse...

Aiaiai... bom, eu já fui da opinião que, se o cara foi sincero, merece o dinheiro. Mas depois eu percebi que eu dei dinheiro pra ele encher a cara, e provavelmente chegar bêbado em casa, chutar o cachorro, gritar com as crianças e bater na mulher.
Então hoje, se o cara vem me pedir dinheiro bêbado ou dizendo que é pra pinga, eu não dou.
E esse lance de "por dinheiro em circulação" é uma justificativa muito furada na minha opinião. Existem jeitos melhores de se fazer isso.
Ah, e, que post emo hein?

Piada disse...

O Testa adora encontrar esse mendigo. =D

Thiago S. Mosqueiro disse...

Legais os comentários! : ) Bom, só gostaria de acrescentar que, para mim, não há alívio nenhum em saber para quê o pedinte vai usar o dinheiro que eu dou para ele.

Dê um pouco de diversão para ele fornecendo pinga. Quantos ocorridos já não devem ter acontecido por causa de um bêbado sem nada a perder solto na rua? Não precisa ser nada 'forçado demais' (estupros, brigas desnecessarias, etc). Imagine que esse bêbado simplesmente saia cambaleando pelas ruas. Não acha grandes as chances de ocorrer um acidente? Claro que esse acidente pode fazer de vítima fatal apenas o próprio bêbado, mas... E o motorista que o atropelou? Por quais processos legais terá de passar? E o que sentiria uma pessoal ao atropelar, mesmo que um bêbado? E se o acidente não machucar apenas o bêbado?

Eu costumo dar esmolas, e faço sem qualquer receio. Mas nunca, por pura opção (não preciso me justificar, preciso?), para bêbados, pessoas que estejam aproveitando-se de estacionamentos para cobrar um serviço inexistente, ou afins. Já doei sacoletes com paẽs e algo a mais, ou um pouco de dinheiro, por exemplo para catadores de papel/papelão. Mas não me confundam: ninguém é melhor que ninguém, nem estou tentando classificar nada. Trata-se apenas de eu doar algo que conquistei a quem me pareceu necessitar mais... ou a quem tenha conseguido inspirar essa necessidade em mim.

Naturalmente, claro que podem discordar de tudo o que falei, ou achar absurdo qualquer coisa. É um comentário apenas. Por fim, Tiago... excelente post!