segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Afinação LeGauss de uma guitarra

por Kim S. Mosqueiro e Thiago S. Mosqueiro

Vamos descrever como afinar uma guitarra de forma um pouco diferente. Este post não é apenas para quem sabe tocar guitarra, mas visa o público usual do LeGauss. Afinar um instrumento não é nada mais que calibrá-lo para produzir sons com as frequências "certas", i.e., acertar suas notas e intervalos com respeito a um padrão. Afinar uma guitarra é uma tarefa bem simples. Todo guitarrista DEVE saber afinar sua própria guitarra, naturalmente. Vamos não apenas mostrar como é o procedimento, mas esclarecer muitos dos passos de forma LeGauss.




Mais sobre afinação em geral

Quando uma orquestra inteira toca, todos os instrumentos precisam estar afinados entre si. Se a música diz "toque lá", todos os instrumentos precisam concordar em "o que é lá?". Isso é o que a orquestra faz antes de começar sua apresentação: os instrumentistas afinam em conjunto seus instrumentos.



O mesmo ocorre para uma banda ou qualquer grupo de músicos, antes de sua apresentação os instrumentistas afinam seus instrumentos. Cada instrumento tem seu próprio dispositivo para afinação. Um piano de apartamento guarda dentro de si uma complexa estrutura que prende as cordas. A pressão com que as cordas são presas modificam a frequência com que a corda vibra. Com a ferramenta certa, é possível alterar essa presão até atingir a nota correta [1]. Um violino é afinado de forma parecida, mas tudo que é necessário girar uma manivela que fica no fim do seu braço. Dependendo da orientação do volta que a manivela fizer, a corda será relaxada ou esticada; se relaxada, a frequência vai diminuindo; se esticada, a frequência vai aumentando. Na guitarra, ocorre exatamente a mesma coisa. Outros instrumentos, como os de sopro apresentam mecanismos um tanto quanto diferentes e um pouco mais complicados, mas sempre tem a ver com alterar o tamanho de uma cavidade em que ondas estacionárias de pressão são geradas pelo sopro.

Vamos então nos focar no como afinar uma guitarra. Vamos começar entendendo o que é a frequência de batimento e como podemos usar isso para afinar a nossa guitarra [2].

Frequência de batimento

O som é uma onda (especificada pelo adjetivo "sonoro"), decorrente da variação de pressão ao longo do espaço percorrido. Em casos simples, as ondas são esféricas. Quando estamos, no entanto, em nosso quarto, as interferências causadas pelas múltiplas reflexões destroem essa simetria. O fato importante é: o som é uma onda. E podemos obter informações sobre essas ondas estudando, como de praxe, a interferência entre duas ondas.

Suponha que você tenha duas ondas que geradas por uma fonte comum. Ambas são descritas por



em que é a frequência de uma das duas ondas (i=1,2) [veja o apêndice caso tenha estranhado a onda proposta]. Se somarmos estas duas ondas, obtemos



Se definirmos



que nominalmente são a média e a metade do desvio absoluto das frequências em respectivo, então é fácil ver que





simplesmente usando soma de cossenos. Será que dá pra tirar algo útil daí? Vamos rapidamente ver como essa onda resultante se comporta.

Primeiramente vamos esculachar e ver o que acontece:



E quando as frequências são iguais? Acontece o óbvio: a amplitude máxima fica o dobro da original, embora a frequência volte ao valor original, e volta a ser um cosseno puro.



Quando as frequências ficam muito próximas, no entanto, ocorre algo muito interessante: como as duas frequências são muito próximas, o desvio tende a tornar-se zero. Quando as frequências são exatamente iguais, o desvio é nulo e a média é igual ao valor de uma das frequências. O que ocorre é o que conhecemos como batimentos:


Essa grande oscilação, em baixa frequência, faz o volume aumentar e baixar. Isso é devido ao termo



Quando o desvio torna-se muito pequeno comparado à média, então esse termo passa a oscilar bem mais lentamente que o outro termo (que depende da média das frequências). Assim, à medida em que as frequências tendem a colapsar em uma só, o batimento vai oscilando com menor e menor frequência. Portanto, a frequência de batimento é uma medida do quanto as notas estão distantes uma da outra.

Para comprovar que a diferença de frequências é a onda que cobre a oscilação rápida, plotamos juntamente com a onda resultante uma nova onda, em vermelho, com frequência dada pela metade da diferença das frequências, 1-1.1 = 0.05. Veja que a onda em vermelho "encapsula" a onda resultante (azul).


Entendido como isso funciona, podemos então usar os batimentos para verificar que as duas notas tornaram-se iguais! É portanto um método comparativo e que depende altamente do treino que o indivíduo tem com o instrumento. Como vimos com o áudio que disponibilizamos, não é nada de outro mundo, qualquer um pode fazer isso. Mas com o tempo, também será possível acelerar o processo.

E como gerar batimentos na guitarra?

Vamos explicar agora como gerar batimentos de forma ótima e conseguir comparar notas que "deveriam ser iguais". Este é exatamente a condição que, se satisfeita, significará que o instrumento está afinado.

As cordas da guitarra seguem, quando afinadas, um intervalo de quarta (cinco semitons), a menos da terceira corda. Entre a terceira e a segunda corda, existe um intervalo de terça (quatro semitons). Seguindo o braço da guitarra, sabemos que a quinta casa corresponde ao intervalo de uma quarta. Portanto, uma guitarra afinada soa notas iguais se você tocar uma corda com sua quinta casa presa e a corda logo abaixo. No caso da terceira corda, isso ocorre com a quarta casa.

No entanto, não é possível ouvir batimos quando as notas estão desafinadas. Isso porque o vibrar de uma corda de guitarra (subjugado à resposta em frequência de sua captação) não é um seno puro. Trata-se de uma toda louca, com uma forma toda especial. E se não fosse assim, você não saberia distinguir uma guitarra de um gerados de sinais: a forma com que uma onda é emitida define o timbre do instrumento. As notas podem ter a mesma frequência, mas a forma com que a onda é emitida faz com que diferenciamos cada um dos instrumentos.

Mas existe uma técnica interessante que faz a guitarra emitir um sinal quase senoidal (com alguns poucos ruídos): os harmônicos. Existe diversas e diversas formas de criar harmônicos, e a forma mais simples é soltar o dedo levemente sobre a haste entre duas casas. Algumas hastes especiais emitem esses harmônicos.

Para afinar sua guitarra, o harmônico gerado pela quinta haste deve coincidir com o harmônico gerado pela sétima haste da corda logo abaixo. Para a terceira corda, o harmônico da quarta haste deve concordar com o harmônico da quinta haste da segunda corda. Quer ver como fica se a guitarra ficar desafinada? É possível ouvir muito bem os batimentos. E para a afinar, vá na direção em que eles passam a diminuir.

Se você for girando o afinador e o batimento for diminuindo, páre quando não conseguir mais ouvir batimentos. Se você passar desse ponto, os batimentos voltarão. Isso porque o sinal resultante depende do desvio absoluto, e portanto não importa qual o sinal do desvio: o efeito será o mesmo. Aproveite desta simetria quando tentar afinar sua guitarra.

É isso...

Muito provavelmente, as primeiras tentativas serão complicadas e devem demorar alguns minutos. Não desista, em pouco tempo você afinará sua guitarra em menos de dois minutos, além de desenvolver significativamente a sensibilidade da sua audição.

por Kim S. Mosqueiro e Thiago S. Mosqueiro



Apêndice. Definição da onda senoidal pura

Este é apenas um pequeno detalhe que pode fazer sentido caso a forma da onda proposta seja estranha. O tipo de onda mais simples é a função seno (ou seu semelhante, cosseno). Então, uma onda undimensional pode ser representada por



Neste caso, sabemos que o período de oscilação será



No entanto, ao trabalhar com áudio, usamos como frequência



Em muitas referências, nomeia-se de forma diferente estas duas grandezas, mas isso pode causar alguma confusão ou cálculos errados. Por isso, é sempre bom relembrar. Nós conferirmos se o sinal gerado concordava com a forma que propomos e de fato uma medida direta de frequência concordou (exatamente) com o valor esperado.

Notas:

[1] Isso pode ser feito por qualquer um com um ouvido razoavelmente treinado. Eu e meu irmão só chamamos um profissional para afinar nosso piano apenas uma única vez.
[2] Claro que qualquer instrumento acaba sendo afinado usando procedimentos similares.




2 comentários:

Gabriel Martins disse...

Muito legal!
Quando eu fiz física 2 eu aprendi isso e achei legal entender mais sobre o que eu fazia intuitivamente.
Ótimo post parabéns.

Thiago S. Mosqueiro disse...

O post foi publicado por engano!! vou finalizar um detalhes, mas vou deixá-lo no ar.