
Os números
Você já tentou definir o que é um número? Se sim,Definir o que é número é uma tarefa para poucos. Mas diversos matemáticos, filósofos e cientistas já se empenharam neste feito. Como exemplo, posso citar alguns:
- Número é a relação entre a quantidade e a unidade (Newton)
- Número é o movimento acelerado ou retardado (Aristóteles)
- Número é o resultado da comparação de qualquer grandeza com a unidade (Benjamin Constant)
- Número é uma coleção de unidades (Condorcet)
- Número é a pluralidade medida pela unidade (Schuller, Natucci)
Contudo, a definição que vamos usar aqui, será a de Euclides. Mas antes, façamos uma pequena digressão sobre este importante matemático.
Euclides de Alexandria

Os números e Euclides
Observe que nas definições de números citadas acima, as 3 últimas são muito parecidas. Provavelmente, elas foram baseadas na definição de Euclides. No entanto, cabe notar que elas possuem uma pequena falha por não deixarem explicitas o que é unidade, mas Euclides lembrou-se disso.Definição 1. Uma unidade é a virtude pela qual cada uma das coisas que existem são chamadas de um.
Definição 2. Um número é uma composição de unidades.
Se você teve dificuldade de interpretar a Definição 1, saiba que eu também tive. Talvez uma forma mais fácil de entendê-la seja assim:
Todas as coisas que chamamos de únicas tem algo em comum, o fato de serem um. Pois então, unidade é o nome que damos a essa "propriedade " especial.
A Definição 2 já é mais simples de ser entendida uma vez que você compreendeu bem a Definição 1. Em outras palavras, podemos dizer que um número é qualquer coleção, conjunto, composição que fazemos com as unidades.
Apesar dessa definição completamente
Dizemos que um número a divide b (ou que b é múltiplo de a), se na divisão de b por a, o resto é 0. Na matemática de Euclides, o conceito de "divide" e "múltiplo" passam a ser o conceito de "mede" e "medido". Observe que são definições equivalentes. Dado um segmento com 10 unidades (chamado de número 10), 2 mede 10, pois você pode enfileirar 5 segmentos de 2 unidades de forma a obter o 10.
Talvez isso tudo esteja meio confuso, então provemos um famoso teorema de Teoria dos Números usando o
Um teorema sobre primos e sua prova
Antes de enunciar o teorema, vamos precisar da definição de número primo, mas vamos definí-lo da forma com a qual Euclides definiu.Definição 3. Um número primo é aquele que só pode ser medido pela unidade [2].
Observe que esta definição primitiva não diverge da definição que temos hoje, apesar de ser um pouco diferente. Agora que definimos número primo, estamos prontos para o nosso teorema.
Teorema: Existem infinitos números primos.
Demonstração: Sejam a, b e c todos os primos conhecidos [3]. Provemos, então, que existem mais números primos que a, b e c.

Pegue o mínimo número DE medido por a, b e c [4]. Adicione a unidade EF em DE.

Então, DF é primo ou não.
Se DF é primo, nada mais precisa ser provado e, portanto, existem mais primos que a, b e c.
Agora, suponha que DF não é primo. Então, ele pode ser medido por algum número primo (em razão do Teorema Fundamental da Aritmética). Chamemos esse primo de p.
Temos que mostrar, que p não é nenhum dos outros 3 primos conhecidos. Faremos isso usando o que chamamos, em matemática, de prova por contradição ou redução ao absurdo. Então, supomos que ele seja a, b ou c.
Sabendo que a, b e c medem DE, então p também mede DE. Mas também mede DF e, consequentemente, mede EF [5]. Então p mede a unidade (isto é, EF), o que é absurdo pois, por hipótese, p é número primo [6].
Portanto, p não é o mesmo que a, b ou c. Além disso, por hipótese, p é primo. O que mostra que existem mais primos do que a, b e c. Como queríamos demonstrar. :-)
Comentários finais e um link
Sinto em não poder definir tudo precisamente para que a demonstração não haja falhas e fique melhor explicada, mas isto se tornaria impossível de colocar num post. Se você se interessou por essa demonstração e quer entender todos os seus detalhes, recomendo que leia os Elementos. Existe uma versão on-line MUITO boa (mas em inglês) que pode ser encontrada neste link. Os livros relativos a Teoria dos Números são os livros VII, VIII e IX.Se você não gostou da demonstração por achá-la obsoleta, neste link é possível ver a demonstração que é mais utilizada hoje em dia.
Até.
Notas:
[1] Você pode achar que isso constiuiu um fator limitante para a matemática grega, mas na verdade, isso acabou por contribuir intensamente para o desenvolvimento de sua geometria.
[2] Observe que para Euclides, o que nós conhecemos como número 1, não era um número, era apenas uma unidade. Por isso, não podemos enquadrar o 1 como número primo. Também cabe notar que, na matemática moderna, o 1, apesar de ser número, não é primo!
[3] Hoje em dia não faríamos desta forma. Euclides supôs que todos os primos fossem apenas 3, na matemática moderna, suporíamos que existem n primos. Contudo esse detalhe não invalida a prova de Euclides, como diria um professor meu essa demonstração "serve para todo 3". Ou seja, 3 é um número arbitrário, poderia ter sido 5, 10, ou n.
[4] Em notação moderna, diríamos o mínimo múltiplo comum de a, b e c.
[5] Apesar de ser um passo bem intuitivo, se você não entendeu, pense assim: qual é o máximo divisor comum (mdc) entre dois número consecutivos? Mesmo sem ter a prova disso, você vai perceber que é sempre 1. Ou seja, sendo p um divisor de DE e DF (dois números consecutivos), p só pode ser 1, pois 1 é o mdc.
[6] Apesar de não ter enunciado a definição precisa aqui, temos por intuição que para um número medir outro, ele precisa ser menor que esse outro (o que hoje em dia chamaríamos de divisor próprio). O absurdo se constitui, então, no fato de que existe um número menor que a unidade.
3 comentários:
Essa demonstração é mto foda
Euclides é o rei uhauhahua
É mto interessante ver que ele conseguiu provar isso interpretando os números como medidas
Excelente! : )
Devia ser legal ver os gregos tentando montar um triângulo retângulo isóceles.
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